Carta Pastoral sobre Revelações
Particulares e Aparições
CARTA
PASTORAL SOBRE REVELAÇÕES PARTICULARES E APARIÇÕES, DA DIOCESE DE SÃO JOSÉ DOS
CAMPOS (1996)
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Ao clero e aos fiéis de toda a Igreja Particular de São José dos
Campos.
Graça e paz da parte do Senhor Jesus Ressuscitado!
INTRODUÇÃO
Visto que muitos de nossos diocesanos e diocesanas
insistentemente nos pedem uma palavra de esclarecimento a respeito de
aparições, possíveis revelações particulares e alocuções interiores, as
presentes Orientações Pastorais, assim o esperamos, deverão servir de base para
o posicionamento de nossos queridos diocesanos sobre esses assuntos.
“Muitas vezes e de modos
diversos falou Deus, outrora, aos Pais pelos profetas; agora, nestes dias que
são os últimos, falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de
todas as coisas, e pelo qual fez os séculos” (Hb 1,1-2).
“Deus é amor” (1 Jo
4,8), e quer livremente partilhar com os homens Sua vida e
felicidade. Por isso, Deus se revela. Revelar quer dizer levantar o véu. Desde
a origem do mundo, Deus se dá a conhecer, por meio das coisas criadas que, em
sua beleza e harmonia, são um testemunho perene da bondade do Criador
(cf. Rm 1,19-20). “Com a sua abertura à verdade e à
beleza, com o seu senso do bem moral, com a sua liberdade e a voz da sua
consciência, com sua aspiração ao infinito e à felicidade, o homem se interroga
sobre a existência de Deus” (CIC 33), de modo que em toda parte, mesmo os que
nunca tiveram contato com as Sagradas Escrituras nem ouviram falar de Jesus
Cristo, podem conhecer a Deus como princípio e fim último de todas as coisas à
luz da razão natural (Concílio Vaticano I: DS 3004; DV 6; CIC 36).
Além desta revelação
natural, “Deus, que ‘habita uma luz inacessível’ (1 Tm 6,16), quer comunicar a
sua própria vida divina aos homens” (CIC 52). “Aprouve a Deus, em sua bondade e
sabedoria, revelar-Se a Si mesmo e tornar conhecido o mistério de Sua vontade
(cf. Ef 1,19), pelo qual os homens, por intermédio
do Cristo, Verbo feito carne, e no Espírito Santo, têm acesso ao Pai e se
tornam participantes da natureza divina (cf. Ef 2,18; 2 Pd 1,4)” (DV 2; CIC 51). Para isso,
Deus escolhe Abraão, em quem serão abençoadas todas as nações da terra
(cf. Gn 12,3). “Depois dos patriarcas, Deus formou
Israel como seu povo, salvando-o da escravidão do Egito. Fez com ele a Aliança
do Sinai e deu-lhe, através de Moisés, a sua Lei, para que o reconhecesse e o
servisse como o único Deus vivo e verdadeiro” (CIC 62). A esse povo, através
dos patriarcas e profetas, Deus se revela de maneira particular, para que fosse
“a raiz sobre a qual serão enxertados os pagãos tornados crentes” (CIC 60;
cf. Rm 11,17-18.24). Esta autocomunicação de Deus
na história tem na Encarnação do Verbo a sua plenitude. “Cristo, o Filho de
Deus feito homem, é a Palavra única, perfeita e insuperável do Pai. Nele o Pai
disse tudo, e não haverá outra palavra senão esta” (CIC 65). Por isso, “já não
há que esperar nenhuma nova revelação pública antes da gloriosa manifestação”
de Cristo no final dos tempos (cf. DV 4). Esta revelação especial ou
sobrenatural está consignada nas Sagradas Escrituras, sendo garantida em sua
infalibilidade por uma assistência especialíssima do Espírito Santo, que
conferiu aos Hagiógrafos ou Escritores Sagrados os carismas extraordinários da
revelação e da inspiração. Desta maneira, podemos dizer que a Bíblia, embora
escrita por homens os mais diversos, é de fato Palavra de Deus.
Por outro lado, “embora a Revelação esteja terminada, não está
explicitada por completo; caberá à fé cristã captar gradualmente todo o seu
alcance ao longo dos séculos”. É neste sentido que devemos entender o
desenvolvimento do dogma na Igreja: não se trata de novas revelações, mas de um
aprofundamento, um desabrochar de verdades já contidas no depósito da fé.
2. REVELAÇÕES PARTICULARES
“No decurso dos séculos houve revelações denominadas ‘privadas’,
e algumas delas têm sido reconhecidas pela autoridade da Igreja. Elas não
pertencem, contudo, ao depósito da fé. A função delas não é ‘melhorar’ ou
‘completar’ a Revelação definitiva de Cristo, mas ajudar a viver dela com mais
plenitude em uma determinada época da história. Guiado pelo Magistério da
Igreja, o senso dos fiéis sabe discernir e acolher o que nessas revelações
constitui um apelo autêntico de Cristo ou dos seus santos à Igreja” (CIC 67). É
o caso, por exemplo, das aparições da Mãe de Deus em Fátima ou Lourdes. Note-se
que o nome “revelação privada” não quer significar que tais “revelações” não
sejam conhecidas pelo grande público, ou que digam respeito apenas aos videntes
ou a um círculo limitado de pessoas. Pode se tratar de um fenômeno de
repercussão nacional ou mesmo mundial. No entanto, tais possíveis “revelações”
são ditas, ainda assim, “privadas” ou “particulares” porque não fazem parte do
depósito da fé católica. Em outras palavras, nenhum católico está obrigado a
aceitá-las, mesmo quando já consagradas pela devoção do grande público, ao
contrário do que acontece com a revelação especial, tal como nos é apresentada nas
Sagradas Escrituras e transmitida pelo magistério da Igreja. Neste caso, todo
católico tem a obrigação de acatar tudo o que a Igreja propõe como verdade de
fé e de moral.
“A fé cristã não pode aceitar ‘revelações’ que pretendam
ultrapassar ou corrigir a Revelação da qual Cristo é a perfeição. Este é o caso
de certas Religiões não-cristãs e também de certas seitas recentes que se
fundamentam em tais ‘revelações’” (CIC 67), como é o caso, por exemplo dos
Mórmons ou do Espiritismo.
3. PRÁXIS OBSERVADA PELOS BISPOS E PELA SÉ APOSTÓLICA NA
AVALIAÇÃO DO FENÔMENO DAS APARIÇÕES
Ultimamente, tem-se multiplicado o fenômeno de aparições
atribuídas a Nossa Senhora, tanto no Brasil como no estrangeiro. A respeito de
tais fenômenos, existem opiniões favoráveis e opiniões contrárias. O que a
Igreja tem a dizer?
A Igreja é cautelosa; antes de se pronunciar a respeito de
alguma aparição, manda examinar o caso criteriosamente, pois sabe que muitas
vezes os fiéis, com toda boa fé, podem imaginar estar vendo e ouvindo o que não
passa de projeções de sua fantasia.
Não existe legislação canônica sobre a avaliação do fenômeno das
aparições e manifestações miraculosas. O Direito Canônico cala sobre o assunto.
O que existe é uma práxis observada pelos bispos e pela Sé Apostólica. Os
critérios básicos são os seguintes1:
a) Critérios a respeito dos videntes:
Deve ser verificado o estado de saúde física e mental dos
videntes por parte de médicos competentes e psicólogos ou psiquiatras a fim de
que não se confunda alucinação com visão.
É importante verificar se há falta de sinceridade e de humildade
da parte dos videntes, se há interesse em tirar proveito próprio ou em se
colocar no centro das atenções.
Verificar os contra-testemunhos que os videntes apresentam na
vida cotidiana, a falta de respeito e de obediência aos pastores, a exploração
das emoções com objetivos comerciais, políticos ou outros interesses.
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O objetivo de qualquer revelação autêntica é a edificação da
Igreja. Por isso, tudo o que a divide, tudo o que leva ao pecado, tudo o que
não leva à evangelização não pode vir de Deus.
“Os videntes deixam de ter credibilidade a partir do momento em
que procuram sustentar com apoio celestial, portanto, com autoridade
pretensamente superior à da Igreja, uma certa orientação doutrinária, da qual
se estivesse convencido; ou então promover mais facilmente certos aspectos da
vida cristã, como os sacramentos, valendo-se da tendência das massas para o
maravilhoso”2.
b) Critérios a respeito da mensagem transmitida pela aparição
São basicamente três os critérios a serem indicados aqui:
Ortodoxia: o conteúdo da mensagem das aparições não pode estar
em contradição com a revelação bíblica, nem com a doutrina da Igreja.
Convergência: O conteúdo da mensagem deve estar em sintonia com
as linhas pastorais da Igreja e os pastores podem encontrar nessa mensagem
matéria para incentivar a vida pastoral e a conversão e renovação da vida
cristã.
Coerência: Deve haver uma coerência entre o que os videntes
vêem, ouvem e dizem. O conjunto deve formar uma mensagem coerente.
Além disso, toda
autêntica aparição há de ser coerente com as linhas e o espírito do Evangelho.
Assim, as muitas minúcias (quanto a datas, local, duração e tipo dos fenômenos
preditos) merecem reservas, pois não são habituais na linguagem da Sagrada
Escritura. O Senhor Jesus mesmo recusou-se, mais de uma vez, a revelar a data
de sua vinda e do fim dos tempos (cf. Mc
13,32; At 1,7).
c) Critérios a respeito das ressonâncias da aparição
Sinais: O fenômeno pode estar acompanhado de milagres, curas,
conversões, fenômenos cósmicos extraordinários em favor da veracidade da
aparição, os quais, porém, devem ser cuidadosamente examinados pela ciência e
pela teologia. E como dizia o Papa João XXIII, em sua radiomensagem de
18/02/1959, comemorativa do centenário de Lourdes, que os dons extraordinários
são concedidos aos fiéis “não para propor doutrinas novas, mas para guiar nossa
conduta”3.
Frutos: Que Frutos espirituais estão surgindo em decorrência da
aparição? Trata-se de conversões, renovação da vida cristã, devoção mais
intensa e mais qualificada a Nossa Senhora, amor à Igreja, vocações
missionárias, sacerdotais e consagradas?
Caso o resultado dos exames acima sejam positivos, a Igreja não
somente permite, mas favorece o culto ao Senhor ou ao santo(a) que se julga ter
aparecido. É o caso do culto a N. S. de Fátima ou de Lourdes, havendo inclusive
a festa respectiva no calendário da Igreja. Importante: embora a Igreja
favoreça o culto a Nossa Senhora em tal ou tal lugar, ela não obriga os fiéis a
acolher as respectivas revelações particulares, uma vez que elas não fazem
parte do depósito da fé: fica a critério de cada fiel julgar as razões pró e
contra a autenticidade de cada “aparição” não condenada pela Igreja e daí
assumir ou não sua mensagem para a própria vida.
A respeito de tais fenômenos extraordinários, o Papa Bento XIV
(1740-1758) publicou o seguinte: “A aprovação (de aparições) não é mais do que
a permissão de as publicar, para instrução e utilidade dos fiéis, depois de
maduro exame. Pois estas revelações assim aprovadas, ainda que não se lhes dê
nem possa dar um assentimento de fé católica, devem contudo ser recebidas com
fé humana segundo as normas da prudência, que fazem de tais revelações objeto
provável e piedosamente aceitável”4. Esta posição tornou-se clássica na prática
da Igreja.
Pode acontecer ainda que a Igreja se abstenha de qualquer
pronunciamento a respeito dos fenômenos e do culto prestado em decorrência dos
mesmos. É o que acontece na maioria dos casos: não há motivos para condenar os
fenômenos relatados; nem a saúde mental dos (as) videntes dá lugar a suspeitas
nem as mensagens apresentadas por eles contêm alguma heresia ou erro na fé. A
Igreja considera os frutos pastorais que decorrem de tais mensagens: muitos
fiéis se beneficiam peregrinando a tal ou tal lugar ou santuário; aí se
convertem, recuperam ou adquirem o hábito da prática sacramental, da oração…
Por tudo isso, a Igreja deixa que a piedade se desenvolva até haver razões de
ordem doutrinária ou moral que exijam algum pronunciamento.
Diante dos fenômenos de aparições e revelações particulares, a
Igreja tem a obrigação de ser prudente. Ela é responsável pela preservação da
doutrina da fé. Por um lado, ela sabe que o Espírito Santo pode falar por vias
extraordinárias, de tal modo que não lhe é lícito extinguir o Espírito (cf. 1
Ts 5,19s); por outro lado, o extraordinário não é a via normal pela qual Deus
guia seus filhos. A fé madura não diz Sim a qualquer notícia sobre portentos,
prodígios e milagres, mas pergunta sempre: por que deveria eu crer? Qual a
autoridade de quem me transmite a notícia? Em que se baseia? Como fala?
Do que foi dito, segue que:
Aparições e revelações particulares não devem ser presumidas nem
admitidas em primeira instância num juízo precipitado. Os fenômenos alegados
hão de ser comprovados ou criteriosamente credenciados;
Diante de um fenômeno tido como extraordinário, procurem-se,
antes do mais, as explicações ordinárias ou naturais (físicas, psicológicas,
parapsicológicas);
É preciso levar em conta a fragilidade humana, sujeita a engano,
sugestões, alucinações coletivas, etc. Facilmente quem conta um fato
acrescenta-lhe ou subtrai-lhe um traço que pode ter importância; em
conseqüência, um acontecimento explicável por vias naturais pode tornar-se, na
boca dos narradores, um fenômeno altamente portentoso. Daí o senso crítico, que
deve começar por investigar de que realmente se trata, para depois procurar a
explicação adequada. Leve-se em conta especialmente a tendência dos meios de
comunicação social a provocar artificiosamente as emoções e o sensacionalismo,
sem compromisso sério com a verdade.
4. ORIENTAÇÕES PASTORAIS
A Diocese de São José dos Campos, na pessoa de seu Bispo
Diocesano, apresenta as seguintes orientações para a prática do povo de Deus:
– Não se faça, em nome de Pastorais, Movimentos e
Espiritualidades, lotações para afluírem aos locais de supostas aparições.
– Não se divulgue nas Pastorais, Movimentos e Espiritualidades,
folhetos, apostilas, fitas cassete ou vídeos com mensagens de cunho
milenarista, apocalíptico ou catastrófico.
– Seja mantida a devida prudência com relação aos escritos de
pessoas que teriam a faculdade de locução interior. O devido cuidado deve ser
tomado de não colocá-los em forma de leitura espiritual como substituto ou
auxiliar da Palavra de Deus.
– Cada coordenador tenha como referência, para orientações com
relação a esta temática, além das presentes orientações, os Subsídios
Doutrinais 1 da CNBB, intitulado “Aparições e revelações particulares”.
– Em última instância, prevaleça sempre a palavra do Bispo
Diocesano.
CONCLUSÃO
Gostaria de terminar essas orientações pastorais, recordando o
que nos ensina o Vaticano II sobre o culto da Bem-aventurada Virgem, o qual
admoesta todos os filhos e filhas da Igreja “a que generosamente promovam o
culto, sobretudo o litúrgico, para com a Bem-aventurada Virgem, dêem grande
valor às práticas e aos exercícios de piedade recomendados pelo Magistério no
curso dos séculos e observem religiosamente o que em tempos passados foi
decretado sobre o culto das imagens de Cristo, da Bem-aventurada Virgem e dos
Santos” (LG 67).
“Ademais, saibam os fiéis que a verdadeira devoção não consiste
num estéril e transitório afeto, nem numa certa vã credulidade, mas procede da
fé verdadeira pela qual somos levados a reconhecer a excelência da Mãe de Deus,
excitados a um amor filial para com nossa Mãe e à imitação das suas virtudes”
(ib.,67);
Enquanto peregrinamos, Maria será a mãe educadora da fé (cf. LG
63). Ela cuida que o Evangelho nos penetre intimamente, plasme nossa vida de
cada dia e produza em nós frutos de santidade (cf. Puebla, 290).
Como pastor da Diocese de São José dos Campos, envio a todo o
Povo de Deus que aqui peregrina, minha saudação e a bênção em Cristo
Ressuscitado.
Decreto: Que esta Carta Pastoral seja afixada em lugar visível
para os fiéis e publicada no Jornal Expressão.
São José dos Campos, 25 de março de 1996.
Dom Nelson Westrupp, SCJ
Bispo diocesano
Bispo diocesano
Referências Bibliográficas:
– O documento de referência é uma nota confidencial da Congregação para a Doutrina da Fé, de 25 de fevereiro de 1978. Veja-se também: R. PANNET, Les Apparitions Aujourd’hui. 1988, p.145-146. – Cf. C. I. GONZALEZ, Maria, Evangelizada, Evangelizadora. CELAM, Ed. Loyola, 1990, p.401-402. – Cf. Pergunte e responderemos, setembro de 1995, p.392-393. – De Servorum Beatificatione II, c.32,11.
– O documento de referência é uma nota confidencial da Congregação para a Doutrina da Fé, de 25 de fevereiro de 1978. Veja-se também: R. PANNET, Les Apparitions Aujourd’hui. 1988, p.145-146. – Cf. C. I. GONZALEZ, Maria, Evangelizada, Evangelizadora. CELAM, Ed. Loyola, 1990, p.401-402. – Cf. Pergunte e responderemos, setembro de 1995, p.392-393. – De Servorum Beatificatione II, c.32,11.
Outras fontes de consulta: na elaboração deste documento, foram
consultadas, entre outras, as seguintes fontes: – Aparições e Revelações
particulares (Subsídios Doutrinais 1, CNBB), Ed. Paulinas. – Compêndio do
Vaticano II (DV e LG). – Catecismo da Igreja Católica (CIC). – JOÃO PAULO II,
Redemptoris Mater. – CARLOS IGNÁCIO GONZALES, Maria, Evangelizada e
Evangelizadora, CELAM, Ed. Loyola., 1990. – ESTÊVÃO BETTENCOURT, OSB , Pergunte
e Responderemos, setembro de 1995. – STEFANO DE FIORES, Dicionário de
Mariologia. Ed. Paulus, 1995. -DOCUMENTO DE PUEBLA.